segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Brasília, 1970


No final dos anos 60 resolveram transferir para Brasilia todas as diretorias do banco, e os funcionários nelas lotados ficaram livres para aceitar ou não a mudança. A nova capital  era ainda uma cidade inconclusa, marcada pelos logradouros barrentos na época das chuvas e poeirentos na seca, pela falta de atrações culturais e de lazer e pelo inevitável tédio decorrente disso tudo. Poucos aceitaram de pronto a transferência,  apesar dos incentivos financeiros e funcionais, e o grupo dos indecisos - no qual me incluia -, superava o dos determinados a viajar. Na verdade, não havia uma rejeição absoluta da minha parte mas uma compreensível hesitação de minha mulher, um tanto cética quanto à adaptação de nossa filha única, então adolescente, preocupação essa que se revelou uma premonição.

Visitamos a cidade, escolhemos apartamento, contratamos a mudança e programamos a viagem, de carro, com pernoite em Sete Lagoas (MG), de modo a chegarmos na véspera da entrega dos móveis. Era a primeira vez que enfrentávamos aquela estrada, de infindáveis, cansativas e perigosas retas; fizemos várias paradas e chegamos a Brasília justamente no cair da noite. A visão deslumbrante da cidade toda iluminada foi impactante: estacionamos por algum tempo no acostamento, para melhor desfrutar daquele momento e abrir nossos corações e mentes à mística energia positiva que, afirmavam, emanava daqueles ermos do Planalto Central. Naquela época também se dizia que a Capital Federal provocava três tipos bem definidos de reação aos recém chegados - deslumbramento, decepção e desespero - as chamadas três DDD; acabávamos de conhecer a primeira delas.  



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Naquela noite dormimos em colchonetes trazidos no carro, no dia seguinte tomamos o café da manhã em um dos bares da vizinhança, e nos revezamos para o almoço para ficamos em casa aguardando a mudança, que só chegou no final da tarde. Fomos dormir extenuados, no meio de um cenário caótico pontilhado por caixas abertas e outras ainda fechadas, roupas e utensílios espalhados por todo lado,  tudo isso agravado pela imensa dificuldade para encontrar de pronto qualquer coisa que se fizesse necessária. Passamos os dias seguintes pondo ordem nas coisas dentro de casa, tentando nos situar no tempo e espaço fora dela, estabelecendo uma rotina diária e correndo para encontrar vaga em colégio adequado para nossa menina, que ficara com a avó e logo chegaria ao final das férias escolares de meio de ano. Era a primeira vez que mudávamos radicalmente de cidade, e realmente não fazíamos ideia de como isso repercutiria na vida familiar, mas estávamos decididos a enfrentar e vencer mais um desafio que a vida nos propunha.



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