quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pousadinha em Angra dos Reis

Os sítios proporcionam aos seus proprietários duas grandes alegrias -  quando são comprados e quando são vendidos. (ditado popular)
As pousadas também...

Nossa pousadinha em Angra dos Reis, na verdade uma guest house era um insuspeitado sucesso internacional quando um visitante até então desconhecido desembarcou da lancha apoitada em frente, atravessou o jardim e após rápidas apresentações disparou a queima roupa:  "gostaria de comprar essa pousada, vocês venderiam?"

*

Tudo começou como geralmente começa - com a necessidade de preencher o vazio de uma aposentadoria tediosa com novos desafios.  Angra dos Reis sempre foi um destino muito especial para mim desde que ali aportei pela primeira vez, em 1951, como aluno do recém criado Colégio Naval. Tinha 17 anos, uma possível carreira pela frente e a inquietude própria dos jovens nessa idade. Bebi a água da Fonte da Carioca, que diziam ter o poder de enfeitiçar os visitantes e fui cooptado pela beleza até então quase intocada daquela natureza selvagem e deslumbrante. Anos mais tarde comprei minha primeira casa na cidade, e sob a proteção do Senhor do Bonfim em sua Ermida, numa ilhota em frente à praia de mesmo nome, nela me abriguei para repensar o futuro pós-aposentadoria.
 

Ermida do Senhor do Bonfim

Foram alguns meses de euforia com a falta de compromissos, alimentada pela alegre sensação de dispor de todo o tempo ocioso do mundo, logo sufocada pelo tédio decorrente da ausência de uma rotina mínima vinculada a alguma atividade que exercitasse o físico e lubrificasse a mente. Caí inicialmente na armadilha recorrente de aceitar ser síndico de um condomínio cheio de problemas legais, dívidas e carências estruturais que consegui sanear ao longo de um mandato de dois anos extenuantes, tempo suficiente para entender que deveria me dedicar a outras atividades mais compensadoras ou pelo menos não tão frustrantes. E cai em outra armadilha, agora com a cumplicidade de minha esposa:  abrimos uma pousada!

Sempre tive simpatia pela rede internacional de hospedagem conhecida como Guest Houses World - casas de famílias em que viajantes solitários ou jovens casais são acolhidos pessoalmente pelos donos, que lhes oferecem simplesmente cama e café da manhã, o bed & breakfast de sua classificação alternativa, modernamente conhecidas também como  hostels.  Nossa nova e ampla residência na enseada da Biscaia, com suas cinco suítes independentes e localização privilegiada na areia da praia,  tinha tudo para se enquadrar nas rígidas exigências impostas pela organização mundial e ser aceita como participante pioneira da modalidade em Angra dos Reis.
Assim foi feito!  


A Enseada da Biscaia, em 1983

Projeto implantado, nossa até então sonolenta e tediosa rotina diária foi quebrada e passou a ser agitada pela presença agora constante e  instigante  de jovens estudantes e aventureiros oriundos de todas as partes do mundo, aquela tribo que hoje chamamos de mochileiros, pobres em bagagem mas ricos em tradições e costumes diferenciados que aos poucos íamos assimilando. Ali conviviam em paz, ainda que por poucos dias, a diversidade de idiomas com personagens muito peculiares,  etnias em eterno conflito em outras paragens, crenças dissonantes e nacionalidades pretensamente incompatíveis em qualquer outra parte do mundo, sob os olhares atentos e a regência amiga daquele casal de meia idade que, embora de forma passageira, os acolhia com carinho e lhes proporcionava a sensação  reconfortante de integrarem uma família.  E que de coração lhes agradecia por povoarem com novas vidas e alegrarem com novos sons  aquele casarão praticamente desabitado.  Fomos guias e companheiros daquela turma descolada em alegres passeios pelos recantos deslumbrantes que já conhecíamos de longa data, algumas vezes enfermeiros e quase sempre depositários da confiança daqueles jovens, sedimentando novas amizades que se prolongariam no futuro através das então incipientes redes sociais virtuais.

Naquele momento estávamos felizes e realizados com o sucesso da empreitada, que nos trouxera uma nova visão do mundo, mas já um pouco  cansados daquela babel; a proposta inesperada chegava em boa hora!


Nossa guest house na praia da Biscaia

*

À noite, já na cama, conversamos sobre os acontecimentos do dia, analisando a visita surpresa e a  surpreendente e inesperada "proposta hostil" de compra da pousada. Reconhecemos, mais uma vez,  que embora cansativa a experiência tinha sido rica sob todos os aspectos e nos questionamos se estaríamos prontos para novos desafios, caso optássemos pela venda.  Após um momento de silêncio e reflexão, troca de olhares e sorrisos cúmplices, minha mulher encerrou o assunto de forma sucinta e definitiva:

-"Vamos dormir. Amanhã começaremos a pensar na mudança"...

 *  


Um comentário:

Julia Manacorda disse...

Júlia escreveu: "Que post mais fofo. Minhas lembranças como criança gulosas são muito gastronômicas, sair para praia de manhã cedinho após comer salada de frutas; segunda saída de tardinha, após lanchinho com cuca de banana da vó praticamente mitológica, conto dessa cuca para todo mundo uhn... uma época que eu vivia fazendo pose de Peter Pan nas fotos tbm ^^"